domingo, 23 de setembro de 2007

Sou-somos-assim-sim(André Zilar-setembro 2007)

Mais um dia na cidade cinza. E meus olhos já não vêem a diferença que existe entre o colorido e o preto e branco. Na verdade, os olhos paulistanos só enxergam duas cores contra o cinza, com uma obra de Frank Miller. Só tem verde para grana e vermelho para sangue.

Talvez tenhamos um amarelo, mas ele não é bandeiroso, nem dourado, só uma representação da rotina, da multidão, da dor de cabeça de quem espera um trem embaixo de sol, acompanhado de gente mais sofredora. Eu não esqueço quem eu sou.

Sou alguém que vive da escrita hoje em dia. “Vive”. Bah. Eu abasteço os conceitos hipócritas da instituição de ensino que eu venerava e hoje vejo ser só mais uma empresa. Tudo se inverteu. Ainda bem. Meu emprego é uma inspiração. O povo é gente boa. Eu não sei se chego a tanto.Tudo se mistura.

Sou viciado em destinos. Coleciono vários. Eu amo ser várias coisas, e me divirto com a burrice daqueles que só assimilam a existência de outro ser humano quando este tem uma ocupação, uma mania e uma paixão. Eu não preciso disso.

Meu caminho não é de terra, assim meus pés não precisam andar pro mesmo lado.

Meus livros passeiam e flertam com gibis. Meus textos publicitários riem quando vêem minhas poesias.

A minha voz é locução e jingle.
É palavrão na agência.
É gemido de prazer na carne feminina. A minha voz é a corneta que anuncia a cada dia os meus sonhos. E todos os meus destinos insubordinados.
Mas, acima de tudo, minha voz é rock’n roll.

O quarto. Minha bat-caverna. Eu volto todos os dias para lá. E não, não sou um milionário. Não. Eu passeio com humildade e revolta em círculos sociais apinhados de veados gente-boa e de pessoas corretas que não valem o que cagam. E com essa zona eu tento entender como um quarto minúsculo custa tão caro, eu não consigo pagá-lo sem a ajuda do meu septagenário pai e preciso me dar por feliz.“Não foi isso que pedi quando desci lá de cima”—penso ao olhar pro céu.“ Não foi isso que me prometeriam se eu descesse até lá”—agora estou a amarrar meus sapatos. E o trem para outro Noir me chama, guinchando para abrir a luta de outro dia. E de todos os outros que se escondem nas mesmas 24 horas.