quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Inutilidades indispensáveis.

Moro sozinho. É bom dizer isso logo de cara para que possa entender de onde vem tanto universo próprio quando falo de meu apartamento, um apartamento que nem é meu....olha, ele não é muito apartamento e nem é meu. É uma ficção imobiliária, senão pior, um marco existencial nos meus 28 anos de idade que não passa de filosofia de figurinha de chiclete.

Ao morar só, meu apartamento ( vamos usar o termo para sermos práticos...e otimista,TÁ?)...tornou-se uma criança de quatro paredes, meio esburacada, com sérios problemas de sinapse elétrica. Em suma, moro dentro de um imóvel retardado. Se considerarmos que arquitetos idolatram as semelhanças entre o morador e seu imóvel...talvez eu deva ignorar mais a arquitetura ou eles devam me estudar um pouco.

Quando me mudei para lá, me lembro que era um tipo de ser humano em níveis aceitáveis de consumismo, até mesmo porque não sabia o que era ter um salário de 4 dígitos. Minha senha do banco tinha 4 dígitos, mas meu saldo...era bem Nietsche: Além do bem e do mal.

Depois de um tempo, comecei a equipar o apartamento, arranjando sofá, um tapete, pufes, almofadas, luminária...e um juicer. Um juicer parecia ser o robô que todo cara que luta contra a balança gostaria de ter. Ele transformaria frutas em suco e com isso eu achava que no meio do barulho e dos bagaços eu poderia escamotear um pneuzinho aqui e acolá.

Merda de juicer. Mas ele é importante. Ele foi minha primeira inutilidade indispensável. Este tipo de produto tem várias formas, utilidades e preços...mas todos têm algo em comum:

Eles nos mostram como priorizamos as coisas de forma imbecilóide.

Já disse que moro no térreo? Não? Então...imaginem viver no BigBrother, só que a audiência...é mais direta. O juicer...aquele maldito...ele é quem me impediu de impedir essa merda de vizinhança à janela. Era comprá-lo ou instalar cortinas espessas. Juro, às vezes...misturando o sentimento do juicer que não salvou minha dieta e a janela escancarada...sem cortinas...acho que sou uma peça de presunto na vitrine da nova boutique de carnes da Vila Madalena.

Mas também às vezes me sinto em plena transmissão pornô, em "parei-pela-view". O baiano vai ali, anda, para, rodeia e arranja um jeito de se divertir quando estou em meus momentos íntimos...

As inutilidades indispensáveis. O juicer foi a primeira. A segunda foi um aparalho de abdominais que dá choque. É, eu quero me jogar da janela ( mas moro no térreo, lixo)...eu comprei. Eu admito gente. Eu não votei no Lula, eu adivinhei o final de Jogos Mortais 1, mas eu caguei...eu comprei o "choquinho mágico". A cada compra dessas....o cheiro do desespero....o cheiro da burrice...e o cheiro de cookies prontinhos no forno, que eu fiz em homenagem à minha imbecilidade para compras.

O que o querido aprelhinho de abdominais me impediu de comprar? Ah, claro. Ele impediu algo. As inutilidades indispensáveis sempre entram no lugar de algo "chato e necessário".

O aparelhinho de choques ( diga-se de passagem que aquilo NÃO é prático. Se você já tem lá sua pancinha, imagine a tristeza que é lambuzá-la de gel e colocá-la para tomar choques que mais parecem agulhas)...essa porcaria me impediu de comprar um novo aparelho celular. Então continuo assim, gastando horrores para falar com os caras da banda...gritando horrores tentando achar sinal dentro da minha própria casa e....vivendo os horrores em frente ao espelho.

É ali que você pensa..."Brahma eu te amo. Brahma eu te odeio", enquanto encolhe e relaxa a barriga...lixo.


Vou escolher minha terceira inutilidade indispensável. Ando pensando em um aquecedor. Os dias estão quentes...e acho demais poder criar uma película de "planejamento" comprando um aquecedor em um dia quente. É a chance de ignorar o juicer que fez picadinho das minhas cortinas ou do aparelhinho de choques para abdominal que fritou a minha plenitude telefônica.

Ah, e claro: É a chance de começar a pensar no que aquele aquecedorzinho de merda está me levando a não comprar em prol da minha vida consciente, aquela que só aparece quando estou no espelho ou dando tchau da minha sala para a rua que me observa...