terça-feira, 7 de outubro de 2008

Calçadas trincadas

São Paulo. Meu Deus, ainda estou aqui. É difícil acreditar que entrei para a horda de pessoas que perseveram na idéia de que ficar por aqui é preciso para se conseguir algo. Juro que às vezes fecho os olhos e estou em Búzios. Irônico. Não me dou bem com a praia. Meu físico só foi amigo do cenário por 3 anos. Abro os olhos. São Paulo não liga muito para isso. Hoje estou formado, a faculdade deixa todas as suas babaquices para trás e eu me reconforto sabendo que muito que eu disse em conselho aos meus coleguinhas é verdade. Conforto idiota. Ninguém me aplaude no pequeno ônibus—sábios.

Estou a caminho de um trabalho que foi sonhado há 5 anos. É gostoso pensar assim. Mas aí me lembro da sala, sem sofá, sem tapete, uma metáfora concretizada de que eu ainda não tenho laços com minha própria rotina. Muita gente faz isso. Tenho medo de ser um hóspede que vive 30 nos em um quarto sem desfazer as malas, auto-iludido de que irá partir a qualquer momento. Mas eu teimo.

O microônibus chega ao destino, uma estação de trem com gente bem-vestida, mal-educada e mais ou menos consciente disso. O dia promete. Uma cotovelada de uma senhorinha. Me pergunto imaginando de que cidade ela veio, com idéias mais ou menos parecidas com a minha...e como essa química existente entre o que queremos e o que São Paulo nos oferece produz materiais tóxicos, uma névoa de mal-humor, que paira, intoxica a todos e aos poucos cria sedimentos de ressentimento em alguns.

Eu me dei um tempo. Estou nesse “infarto-lifestyle” novamente há pouco tempo. É meu segundo round. Eu já sei como é importante manter as pernas tão vivas quanto a cabeça, e relaxar a ambição com o mesmo esmero que fazemos com o pescoço, esperando o trem.

Um rapaz acelera ao meu lado, desesperado às nove e quarenta da manhã para passar à minha frente no bloqueio. O trem não está vindo. É, eis um paulistano, ou um Lemming, criatura de um jogo de 92. O pior é que nem posso dizer que aqueles eram bons tempos—é difícil ser saudosista neste mundo banda-larga/vida-curta.

Fecho os olhos novamente. Quando abro, vejo uma moça impecável. Engraçado. Quando pegamos a mesma estação de trem todos os dias, começamos a nos tornar um pouco síndicos da imagem que todos que ali ficam compõe. Ela é uma nota fora da melodia chata da estação Cidade Universitária. Vai procurar emprego. Sem explicação, sem eira nem beira, todos sabemos isso. Ela arruma o cabelo.

O trem chega. O único banco livre é refém da falta de ministros da educação eficientes no país. O homem é dono de pernas e braços patrocinados pelo MST. Eu sinto o fel paulistano patrocinando 0.03% de um possível infarto. Filho da puta. Eu vou me sentar.


Me sento, ele continua a pressionar. Burro sou eu—assim ele deve imaginar, uma vez que é dono de um aroma publicitário, divulgador de sua amabilidade. Estação Hebraica-Rebouças, uma moça desce e me liberta daquele banco.

Mudo de assento. O homem olha e dá uma leve bufada, como rinocerontes fazem com fotógrafos exóticos—um pequeno incômodo.

Chego à Vila Olímpia. Meu cenário. Hora de procurar um futuro estável se equlibrando pelas calçadas trincadas de um lugar que todos os dias mostra com seu trânsito, conduta das pessoas e condições climáticas que a última coisa que um ser inteligente pode esperar desta região é estabilidade.

segunda-feira, 6 de outubro de 2008

Xadrez-sexo

Olá, minha gente. Sim, eu ainda escrevo.

Estava eu em meio aos meus textos publicitários, defendendo marcas na agência quando me peguei com duas situações/informações relevantes. A primeira veio de uma amiga minha, Gabriela, que se diz satisfeita com meus textos ao mesmo passo que inaugura a atividade "bloggeira"; a segunda é o papo que surgiu com um amigão meu pela internet, o que me fez refletir sobre um início de entrada na fase 3.0 da vida relacionamental. Para tal, criei na hora uma certa metáfora, para que nos confortássemos com um panorama mais neutro da vida à dois. Não é um desânimo ou uma promessa, mas um jeito bem-humorado de separar um pouco os estágios de proximidade que temos e estabelecemos com as pessoas.

Acho que muita coisa se aplica de forma "unissex".
rs

A RELAÇÃO COM O SEXO OPOSTO NA MESA, OU MELHOR, NO TABULEIRO DE XADREZ:



Peão- Sair , simplesmente o “pegar/ficar/rolar algo”. Lamento, mas o sexo também está incluso. Simpes assim, quando dói na perda é mais como no jogo em si...”pô, mas já perdi um peão?!?” Gente, este é o primeiro estágio neste nosso estudo bizarro. Sem irritação. Meninas, não sou o primeiro a falar de peão, as amantes de Barretos e das lajes de construção que me defendam...rs


Cavalo- A pessoa passa a se tornar uma saída mais constante. Dá pra ligar sem tanta nóia.
É aquele primeiro passo de confiança. Você tem uma parceira de qualidade, que já se desenha digna de algum nível de confiança. Dá pra se mostrar um pouco dependente dela. Peão é uma coisa fácil de se descartar. Um cavalo já dói um pouco. É a mesma coisa. Muita gente ( eu me incluo) fica doída por meses quando perde uma pessoa que alcança este estágio de representatividade. Outros, por outro lado, adotam a figura do “Dono de Haras”, onde é corriqueiro comprar e sacrificar cavalos, assim tendo muitas parcerias boas, mas nunca esquentando a sela para ter de fato uma evolução. Bom E ruim, com certeza.


Torre- Estabilidade, a pessoa ( mulher no meu caso) se torna uma parceira fixa e/ou um rolo mais sério. Aqui você começa a descartar espontaneamente outras pessoas de sua agenda de lazer. Não é ainda para muitos o momento de uma exclusividade, mas já algo que reduziria numericamente a “concorrência” para ela com 80% do tempo e um outro alguém com 20%. Para nós homens, acredito que é o momento em que se sente o cheiro de um namoro. Para as mulheres, não sei o que dizer. Pode ser o cheiro de dinheiro perdido, com aquele seu ingresso do Chiclete com Banana ou a viagem das “causadoras”, marcada para 15 dias a partir deste momento. O momento da torre é famoso por inspirar a frase “você é a pessoa certa na hora errada”, mote dos corações equipados com excel...


Bispo- Surge o namoro, no sentido correto da palavra. Comprometimento dos dois, é o primeiro ponto-chave, onde se investe mais do que o preço do ingresso de cinema ou um dia do fim de semana. Não é um casamento, mas considerando que passamos por estágios de liberdade e estes só foram avançados por clima+vontade+situação, é um belo momento. Creio que agora, depois dos 25 anos, 60% das relações que teremos sequer chegarão a este ponto. Começamos a valorizar mais nosso tempo e sentimentos. E namoro, como deve ser, é uma aposta dos dois. E aqui que descobrimos o primeiro lote de “surpresas”. Por isso mesmo só aqui é que se inicia uma busca real por uma afinidade, uma cumplicidade maior.


Rainha- A rainha é perfeita nesta metáfora porque em geral representa o momento da sutil transição de “namorada” para uma "Na morada"— ou seja, alguém que começa a morar junto com você, seja todo dia ou só de fim de semana. Ela provavelmente se canditará como “ princesa” ( ou príncipe, no caso das meninas) perante a “Rainha”, sua mãe, futura sogra dela(e). Eu não vivi muitas vezes este momento. Para ser sincero, todos os aspectos aqui listados nunca vieram ao mesmo tempo em uma só relação, mas a esperança é a última que morre. Minha mãe pode ser tudo, mas não é recepcionista de estação de trem para ser abordada por qualquer viajante. A rainha é um grande passo, onde já se define na cabeça que este namoro não é “só mais um namoro como os outros”. Aqui os amigos, sejam nossos ou delas, companheiros de cerveja, trabalho etc...tentam assumir o papel de “congresso”. Os melhores, junto à família integram o Senado. Os “camaradas” palpitam de leve, como Câmara dos Deputados. Seja sincero e admita o que você é. Tem quem tem um estilo de vida sentimental democrático, assumindo esta influência, mesmo que de leve; e tem também as pessoas que tem o “Amor-Saddan Hussein”, ou seja, é ditatorial, exterminando qualquer opinião da oposição. Conheço quem entra na fase da rainha exterminando quaisquer “possíveis causadores de pensamentos contrários à decisão”.


Rei- Óbvio, chegamos ao noivado/ casamento. Cheque-mate. É isso ou nada. Momento onde para nós, machos, guerreiros— espadachins das palavras, cavaleiros que sabem montar uma bela dama, a guerra deve chegar a um acordo final. É duro para nós, porque como César, todo conquistador tem seu gosto pela guerra. Muitos fogem simplesmente pelo que eu chamo de “Complexo do Caralho Viking”- O cara se apavora porque sempre se imaginou morrendo com a “arma” em punho, em combate, ou seja, como solteiro, somo se isso o fizesse ir para o “Valhalla dos comedores”. Tsc. Na situação do Rei, temos a rainha, que nos colocará um belo manto...mas as ao mesmo tempo realocará nossa “espada” ( habilidade de caça) da cintura para uma parede, como uma lembrança querida pelo homem e odiada pela mulher. Para nós é o momento de entender que inteligente é o homem que celebra cuidadosamente “a paz”, para que aposente de vez suas armas de guerra. Por isso, o Rei simboliza aqui o final da partida.

A metáfora do xadrez funciona porque , mesmo no caso do Rei, sendo o casamento retratado como "cheque-mate", sabemos que sempre há chance de recomeçar uma nova partida...e tem gente que adora nesta vida sentimental tentar uma "melhor e 3"!

sábado, 8 de março de 2008

Zé ordinário e seu dia complicado

Zé ordinário era um cara como eu ou como você: tinha dias bons, dias ruins--os que mais marcavam sua memória, infelizmente--e tentava obter alguma fórmula mágica onde os dois se neutralizavam oferecendo gotas de felicidade. Sabia que a vida que tinha era muito boa comparada a de outros, mas nasceu com torcicolo de ambição: vivia olhando o que poderia realizar a mais, e não o contrário.


Todos os dias ( ou tardes) em que acordava após uma noite de sonhos sem culpa, Zé ordinário tentava catalogá-los como presságios de algo grandioso. Se o bom futuro ou uma simples boa fase existem, ele pretendia com todas as forças memorizar o cheiro de um dia de mudança--para melhor, é claro. Assim sendo, se focou na primeira golfada de ar por toda fase de marasmo que passava.


Um belo dia, Zé ordinário pensou em um animal de estimação. Talvez a solidão tivesse o egoísmo que mataria sua capacidade de relacionamento. Por medo ou por impensada precaução, decidiu adotar um animal, uma companhia para os dias sem sonhos, afinal, a golfada de ar era relevante apenas nos dias de possíveis presságios. Seu projeto era ambicioso, muito maior do que um emprego ou um carro esportivo, mas a descoberta do aroma e todos os indícios de uma boa fase, de uma virada de maré. Um animal o ajudaria a manter o foco quando necessário, já que o ajudaria a relaxar nos dias desprovidos de devaneios atômicos.

Assim sendo, Zé pensou em cães, gatos e pássaros como companhias irritantes. Não seria possível a ele uma criação com o amor e carinho que estes animais necessitavam. Até mesmo o gato. Gatos são raros de dar problema ou fazer barulho excessivo, mas é inegável a raridade divina do objetivo de Zé. Ele não conseguiria mais viver se, no dia de sua grande virada, seu nariz fosse inundado pelas fragrâncias revoltantes de vômito ou fezes felinas. Ele acabaria matando o pobre animal, e isso ainda amaldiçoaria sua próxima vida, tornando o projeto uma promessa adiada por calculados 167 anos. Não. Ele conseguiria o aroma do dia decisivo a qualquer preço. O animal era necessário para mantê-lo no curso.


Assim sendo, cogitou os peixes e animais "semi-bibelô". São fáceis de cuidar. Peixes, algas, anêmonas, cavalos (marinhos, por favor!)--tudo muito silencioso. Calmo. Inodoro. Admirou as qualidades até que seu cerne se dobrou em direção a uma resposta lógica: Mas que coisa mais chata. Ficar sozinho sem nada pra ver é solidão. Ficar sozinho com diversas vidas acontecendo é isolamento. Que se danem os peixes--pensou. Era final de tarde e foi cozinhar os parentes menos afortunados de seus últimos candidatos a pet.

Quebrando ovos para acompanhar os peixes cogitou em um galo. Galos o ajudariam a acordar, não dando margem à falhas como preguiças matinais ou ressacas elásticas, capazes de alcançar até as 16 horas. Um galo o ajudaria no dia. Sorriu e quase proferiu um "achei", mas imediatamente se viu obrigado a abortar. Seu porta-talheres era justamente a carcaça de um rádio-relógio infeliz, que tentou acordá-lo para uma entrevista de emprego às 5:45. Cinco e quarenta e cinco da manhã é crime--pensou--eu só agi em legítima defesa--retrucou, ali, sozinho com as duas pescadas e os ovos, cadáveres da busca de Zé ordinário por um companheiro para seu grandioso projeto.


Mastigou quase que meia vez e foi interrompido pelo som de sua inépcia na cozinha. Cascas de ovo na comida. Que porcaria. Quando os bons dias chegarem, com certeza irá pagar alguém para exclusivamente limpar as cascas de seus ovos mexidos. Não. Uma cozinheira estaria fora de cogitação. Ele sabe cozinhar seus ovos como ninguém, apenas deseja deportar as casquinhas de ovo para longe de seu prato. Engoliu e olhou para a janela. Mais uma noite descoberto. Sem ninguém para acompanhá-l0. O que seria dele se amanhã fosse o dia da mudança? Ele cheiraria a nova fase com ânimo e não teria mais do que um travesseiro ou seu cabideiro para abraçar.

Desanimado, se viu em fracasso legítimo e irretratável. O dia se foi e agora ele dorme só. O animal que precisa para acompanhá-lo por todo processo não existe.

E, se ele não existe--concluiu--Deus não deve ter criado essa história toda de "vento da mudança" ou "fase boa", caso contrário, um animal seria o mais indicado para isso, mesmo em um segundo momento, para alguém de tirocínio raro como o dele." Até porcos sabem fazer algo além de se cagarem e comer metade do que cagam. Alguns farejam trufas, aquelas coisas que todos sabem ser caras mas nem cogitam sobre o sabor. "

Foi seu último pensamento antes de retirar os chinelos- de- dedo e permitir às meias uma retratação com sua forma original. Deitado, suspirou, não pelos meses de desemprego ou pelo tédio, mas por ter sido derrotado em sua jornada por animais.

Eis que teve o reflexo de sua torcicolo física, prima distante de sua personalidade dominadora e temerária ao mundo que não queria saber de Zé Ordinário nem por currículo. Olhou para cima e finalmente recebeu o recado que o faria o homem mais sábio do mundo, capaz de encarar as coisas com profunda sabedoria. Seu animal finalmente fora escolhido.

Era perfeito. Ele estaria com ele em todos os momentos e em todos os lugares, desde que deixasse um espaço para ser carregado. Era companheiro mesmo, daquele tipo que lembra os animais que seguem carrinheiros e maloqueiros em geral, não se importando em qual fase seu dono se encontra.

O martelo final veio quando se lembrou de que só são curiosamente encontrados como fêmeas. Ótimo. Cães fêmeas são mais calmos. Eis o animal que Zé Ordinário escolheu para sentir o perfume de dias melhores:







Se chama "esperança".






E dormiu. Seu rumo era brilhante. Agora só faltava saber o que esse bicho come, se e como é vacinado e por quanto tempo viverá ao seu lado...

quinta-feira, 6 de março de 2008

A vida, esse estacionamento de assuntos

Dada a minha (quase) que completa ausência da minha casa de idéias, foi impossível não lembrar por quê eu ando com um lapso de escrita.

Não é falta de inspiração ou assunto, quem me conhece pessoalmente sabe como consigo relativizar e teorizar até porque o cereal matinal amolece antes de acabarmos a pratada--é algo poderoso, uma força, uma bagunça interna que anda a me ocupar como folgados sentados nos assentos preferenciais do metrô.

Como é de praxe, toda pessoa meio emburrada com algo tende a falar muito. O que acontece com os tagarelas então? Eles falam mais ainda, correto?








Não, mané.





Tagarela fala porque confunde a frequência com que sorve oxigênio com o ritmo de suas palavras. Eu me incluo na categoria ( obrigado mãe pelos genes "gastadorius di salivius"). Quem fala pra cacete simplesmente passa a atender com todas as suas palavras um expectador/ interlocutor prioritário, vip de comanda zerada: sua consciência.


Como ando quase que um "auto-ajuda-man", decidi tentar colocar um pouco do meu lado destro ( leia o texto abaixo; se não entendeu, deixa de ser preguiçoso que leitura não é movida a gasolina...pelo menos até agora) em prática. Organizar as metas é importante. Porque, venhamos e convenhamos, até papel de bala ganha importância quando fica catalogado em uma pasta de envelopes plásticos. Com metas não seria diferente.


As coisas que ando fazendo em minha vida são agora de pouco interesse. Patrões que não são mais capazes de patrocinar minha ong "Azia-você ainda vai ter uma", sinceramente...querem mais é que eu me f....

Por isso eu deixo o recado com uma reflexão muito simples. Considere seus assuntos imensos ( ou pequenos) carros em um estacionamento. É simples estacionar um por vez. O problema aparece quando você precisa "mais ou menos" estacionar todos aos poucos. Muitas ignições. Muitas chances de ponto-morto. E claro: A desvantagem de elevar à décima potência a "zica" que todos os nossos velhinhos de calçada jogam ao ver alguém balizar.

Por isso mesmo, por ter poucos carros, por me pegar até mesmo dirigindo assuntos comparados ao ainda digno fusqueta, eu ando a investir no estacionamento subterrâneo. Meus assuntos não andam muito brilhantes. São assuntos com potencial, mas creio que ninguém vai até a Itália para ver o novo carro "mini-micro" para 1 passageiro, movido a óleo de cozinha e ovo podre, não é ?


Então espero que você continue a estacionar os seus assuntos nas vagas, com poucos amassados e aguarde eu retornar dos meus. Claro, sempre virei falar algo "semi-inútil" aqui. Sou André Zilar, afinal. Mas por enquanto é preciso deixar de sobreaviso que meu andar não é triste nem risonho, mas simples:




-S3.

"Sobe!" ( se Deus quiser!)

terça-feira, 4 de março de 2008

Lembrete


Como canhoto nato, sempre tive problemas com este mundo de destros. O problema é que isso não se limita à mão que utilizamos para as atividades corriqueiras, mas à forma de pensamento. Assim sendo, tive de encarar que, se os destros pouco sabem a respeito dos canhotos, o inverso é absolutamente inviável. Aprendi muito mais rápido o que era "esquerda" e "direita", como se fosse uma espécie de comunista manual-mirim.


Meu avô utilizou uma técnica muito boa comigo, amarrando por uns dias um lacinho em minha mão esquerda. Ok, ele era louco de pedra ( não por isso), mas pelo menos admirava o fato de eu ser canhoto. "ele será inteligente"--assim ele dizia--hoje penso que talvez seria melhor se ele me dissesse " ele é destro, será uma anta, mas ganhará dinheiro fácil".


Mas um canhoto é um ser resistente por natureza. É preciso aprender tudo pelo viés da adaptação. Sendo assim, sempre entendi que me lembrar da mão esquerda é entender que terei de ver o mundo dos destros e modificá-lo. Caso contrário, um canhoto não passa de um destro aleijado.


Hoje me encontro com uma espécie de lembrete diferente. Como desocupado nato, tenho procurado mudar o "de" de palavra, entrando em um curso sobre uma carreira que poderia ser o "equilíbrio entre o que o mundo quer que eu seja destro e o que eu sou". Além disso tenho tentado cultivar meu lado esquerdo do cérebro ( sim, suas antas, eu uso mais o lado direito por ser canhoto).


Logo, pensei naquilo que raramente fazia. Como jogar tênis ou praticar natação estavam fora de cogitação, decidi recentemente me testar ao pé de um fogão, como um bom "marido desempregado que vira o dono de casa". Não sou casado, mas gostei da imagem de um homem que não é desocupado--mas prendado.


Minha primeira empreitada me trouxe o lembrete com uma bela gota de óleo fervente: uma notável queimadura de segundo grau, na mão direita. Claro que me lembro como sempre é minha mão direita que sofre as pancadas, cortes, esmagamentos e , para inovar--queimaduras. Realmente é difícil para mim, ter de conviver com o lado direito.


Metaforicamente, eu hoje vejo com ironia como é engraçado tentar contradizer sua própria natureza. O lado direito é muito lindo, um lado de perfeição, de competição fria. É o lado de todos, é o lado do que "você deveria fazer, todo mundo faz".

Até onde um homem consegue viver sem seu lado direito? Não sei. Cheguei à conclusão que minhas excentricidades de conduta são reflexo nato do que é alguém que vive pelo lado esquerdo. O lado esquerdo depende de sorte para arranjar cia. em suas decisões. Todo mundo trabalha infeliz, ou pelo menos essa é a maioria. Todo mundo?

A equação do mundo destro, ao meu ver é :


Todo mundo= Maioria das pessoas X Conduta da maioria
______________________________

O que cada um acha que uma pessoa comum faria em uma situação




O problema é que nunca fui bom nem com matemática, muito menos com o que a maioria faz. É incrível. Mesmo em meus momentos de rendição ao modismo, sempre modifico alguma coisa. Se a roupa da moda fosse "camiseta azul" ( e eu adoro azul), eu teria o dom de , na última hora, amassá-la ...e bum, já era a equação do todo mundo.


Assim sendo, tenho de encontrar um equilíbrio. Ser canhoto manual é possível, mesmo com desastres à mesa, mas não dá para ser só canhoto de vida.

Um canhoto de vida vive pela equação do "comigo fica mais ou menos assim"...


Equação de vida canhota




O cara faz diferente= Conduta da maioria - Percepção do canhoto - 2. ( Adaptação + QPF*)
_______________________________________________
Amigos destros com paciência+ perdidos e insanos em geral



(QPF- Quociente Pessoal de "Foda-se"--Habilidade pessoal de tentar sem saber se vai dar certo por necessidade pessoal.)


Agora preciso equilibrar as duas coisas. Tenho metas a cumprir e começo a entender que, desta vez, terei de agir certo. Minha queimadura é feia, mas começo a achar que ela é só um pequeno lembrete, um lacinho na mão direita para me mostrar que, quando não se tem regra, a melhor coisa é agir sozinho, mas como qualquer um que precisa de mexer agiria, caso contrário, de canhoto eu passo para aleijado das duas mãos.

terça-feira, 19 de fevereiro de 2008

O futuro, essa coisa perfeita para quebrar o tédio.

Já faz tempo que não me coloco aqui. Digo me colocar porque os simples textos sarcásticos são só um jeito de emanar pela internet minhas mais absurdas teorias e devaneios. Como alguns sabem, sempre tenho o que escrever, mas nem sempre me sinto a vontade para tal.

Assim sendo, como uma resposta divina, ao retornar do "corte de juba", recebo um presente do meu precioso sobrinho. Digo precioso porque seus olhos têm algo de muito especial. É um menino inteligente, que tenta sorver o mundo em colheradas, como se tudo fosse um sorvete apinhado de sabores. Como a vida artística é algo que inspira os que são mais hábeis e não se preocupar com o "aquilo com o que todos se preocupam", ele dá seus passos em direções variadas. Se eu desenho, ele também desenha. Se eu canto, ele também canta ( e meu sobrinho fez seu primeiro show aos 7 anos de idade, no natal. E fez questão de compor suas músicas. Porque ele foi contaminado pelo espírito daquele que olha, admira, observa uma vez mais e...segue em frente, sem medo de mostrar seu ponto de vista da Terra lotada de mesmices. Ele cantou suas músicas aos 7 anos. Alguém sabe o que é isso? Não é algo banal. Demanda coragem. Personalidade que não se encontra em qualquer babá australiana a cabo.

Não me perguntem como eu me senti, porque já começo a marejar os olhos só de lembrar). Se eu escrevo...sim, ele mostrou hoje que também é capaz de escrever.

Eis o primeiro texto de meu sobrinho, Giovani. Isto aos 7 anos, 15 minutos antes de ir para sua escolinha, como um recado "eu também gosto de escrever tio André!". Minha mãe me entregou. Se conseguir, vou "scanear" e colocar aqui, porque é muito merecido:


"O trovão entre as estrelas,
Mas você é muito maior,
Você é a lua,
E eu o sol,
Nesse sistema,
Por isso
Eu fiz essa canção.

Nas ruas dessa cidade,
Quando vejo você
Eu fico sem fim no meu coração--é todo por você
Nesse mundo eu sou seu. "

Giovani Almeida- 19 de janeiro de 2008.


Gente, se algum dia pensaram em comentar algum texto meu e desencanaram...pensem que uma criança com 7 anos fez isso. Ele sequer sabe escrever direito. ( eu corrigi os possíveis erros de português e os atropelos de pontuação, mas veja como é que ele já acha sem querer figuras como aliterações " O trovão entre as estrelas" e coisas como " Quando vejo você fico sem fim no meu coração")

COMENTEM. Porque eu não sou coruja, sou é curioso.

Agora, com 7 a