segunda-feira, 22 de outubro de 2007

Contos de Cristian- Ficção

São Paulo, próximo ao metrô República.


Dona Regina se encolheu e abriu mão de pegar aquele elevador. O prédio tinha apenas seis andares, mas o elevador no pequeno prédio no centro paulistano era disputado, mesmo com o péssimo hábito de parar entre andares. A senhora, ex-síndica, não se lembrou disso quando o rapaz do apartamento 52 chegou em estado deplorável. Dava dó. Até mesmo comparado aos deploráveis que ali viviam.

Cristian não olhou para a velhota no elevador. As costelas doíam, e a bolsa esportiva que carregava disputava com sua mente para ver quem guardava mais problemas. A camisa social roubada escondeu o colete e o que deveria ser um coldre com munição. Melhor assim. Um prédio pode ser decadente, mas a violência explícita é assunto em qualquer lugar. Ele ainda quer morar ali. Quarto andar. O elevador pára.

Embora Cristian tenha apenas vinte e três anos, ele ganhou a chamada “coceira”. Ele sente o perigo como um bom cão de guarda, fruto dos seus tempos como pichador adolescente em Brasília. Bons tempos, quando temia apenas uns sopapos na orelha. Agora a coisa é mais séria.

Antes que a porta abrisse, ele pega da mala uma fita adesiva e prende sua pistola Glock no painel do elevador. Casualmente ele se encosta com a mão pronta para um saque no elevador, que graças à miséria não tem espelho para denunciar sua garantia de vida.

Lentamente, a porta se abre e revela alguém que não merece uma bala, mas todas as noites despreocupadas de prazer que Cristian não tem sequer o direito de imaginar: Lila.

--Oi—ela cumprimenta, tentando parecer ser só uma habitante do prédio.
--Hum—demais para a elasticidade de seu humor, por mais que quisesse, a hora não era apropriada.

Ela entra e se vira, sem perceber a mão cobrindo boa parte do painel.

--Você aperta o sexto pra mim?
--Claro—inacreditável, ela não dar bola para a posição desajeitada em que ele se encontra.

O caminho do elevador é curto, mas em 1973, quando fabricaram esta carroça de estrada vertical, tempo era um problema diferente. A viagem é vagarosa.

--Pode pegar de volta—ela revela, com um sorriso malicioso e olhos ternos, fixos no indicador de andares.
Cristian pára e pensa. Ela poderia estar em pânico. Foi uma baita cagada fazer essa manobra. Mas ele não podia se dar ao luxo de morrer sem uma arma na mão. Agora ele sente um ar de culpa e ao mesmo tempo de cumplicidade com a menina de 19 anos do andar abaixo ao dele.
--É, eu...—ridículo esconder a tensão do momento. Ela está no elevador com um idiota que pregou uma arma no painel...
--Olha, se eu fosse você guardava a Glock. O pessoal do Tinho já foi embora. Deu para ouvir os caras assustados falando ao telefone.
Cristian se impressiona como a menina sabe de tudo. Deveria ficar bravo por isso, mas se sentiu ainda mais próximo da menina. Desconversa disfarçando a alegria de saber que escapou por hoje:
--Como é que você sabe o que é um Glock?
Ela continua a olhar o elevador, que quase centímetro a centímetro pára, um andar acima apenas:
--Eu jogo CS.
--Sério. Olha, continua só no CS mesmo, essa vida é f...complicada.
--Eu sei. Meu irmão já teve a sua função, sabia?
--Como assim, minha função?
--Ele já foi “pescador profissional”—fala com a mesma calma de quem fala de uma profissão comum, como advogado ou médico.
A porta se abre. Aleluia. A tensão o mataria antes da dor nas costelas. Mesmo assim ele irrompe em meio ao silêncio de quem se fez ignorante ao que ela falava:
--E o que houve com ele? Cansou de trabalhar sozinho?—falou mais rápido do que imaginou a pergunta.
--Não. Ele morreu. Mas não estava sozinho. Você também não está.—finalmente ela o olhou e mostrou que os 19 anos eram quase como uma fachada para uma pessoa bem endurecida. A pele morena poderia passar a imagem de uma carioca morando em “sampa” que pouco faz da vida, mas ficou nítido que ela não faria nada no sexto andar. Ela só queria a pequena conversa, que de casual não tinha nada.
Agora era hora de voltar ao 52 e rezar para que o Beto estivesse livre hoje para praticar um pouco de “medicina antecipada”. As costelas quase gritam cada número do telefone do estudante da USP, e agora é só torcer para que ele esteja de pé.


São 2:30 da manhã de sábado, o nome dele é Cristian e falta muita coisa para ele poder viver sua vida.
(continua? post com "sim" ou "não")

Um comentário:

DiegoFerrite disse...

Não.
Pra ser sincero achei o jeito como você escreveu meio "atravessado". A história é boa, então voto SIM, se for mudar a forma de narrá-la.