terça-feira, 27 de novembro de 2007

Existe VIDA em São Paulo

Já escrevi muitas linhas tentando decifrar a cidade de São Paulo. Em geral, como as pessoas me dizem, escrevo textos pessimistas, mas a verdade é que só descrevo como esta zona de asfalto e concreto afeta os que aqui vivem. Acho que , por contrariedade divina, tenho de dar o meu braço a torcer e contar algo muito diferente do egoísmo e individualismo paulistano.

Me mudei recentemente, agora me acostumando com a idéia de ter um canto todinho meu. Que coisa mais sertaneja, gente. Mas Sérgio Reis tem lá sua sabedoria. Não tenho uma rede preguiçosa para deitar, mas já convivo com a sinfonia dos pardais pela manhã. É uma nova casa, uma nova fase e, pelo jeito, novas lições que eu já havia rezado demais para que viessem a mim.

Logo que me mudei--minto--antes mesmo disso, conheci uma figura chamada Dona Idel. Uma senhora que beira lá os seus 40 anos, com uma horda de crianças à sua volta--todos seus filhos--Dona Idel é uma pessoa de fala simples e prática. Acho que em outros tempos dona Idel deva ter conquistado o papo de homens em outros assuntos que não questões imobiliárias e condominiais. O batom vermelho gritante tenta indiciar isso. Eu a conheci como um novo condômino, já ressabiado ( e calejado) pelo pé no saco que vira regra para todos que trabalham como pessoal do condomínio.

Mas pelo jeito eu estava errado. Logo no começo, ao começar minha mudança, uma encomenda foi entregue fora do horário previsto e, para minha surpresa, tudo deu certo. A amiga que se comprometeu a receber--coitada--também não foi avisada pela empresa que realizaria a entrega. E assim uma cama ( dívida de 2 meses) foi largada a sua própria sorte. Mas Dona Idel estava lá. Ela, sem motivo algum , recebeu a encomenda, abriu meu apartamento ( eu já estava ciente de que ela tinha minhas chaves, resquício ainda da época em que o apê estava vago e ela abria para visitação) e a cama foi posta no quarto. Instalada.

Dois dias depois o meu carreto realiza o malabarismo de levar o fogão e geladeira, abandonados em exílio por um ano e pouco. Dias depois converso com Dona Idel, agora como condômino. Muito por telefone, eu a avisava sobre possíveis entregas, e ela se demonstrou muito solícita. Já ciente da regra paulistana, imaginei quanto aquilo iria me custar. Normal. A gente espera isso de gente cinza.

Comecei a coçar minha cabeça, pois na sequência minha máquina de lavar chegou. Outra prova, outra entrega. E Dona Idel aparece para salvar o dia. Além de receber a máquina, manda o homem tirá-la da embalagem e instalá-la, para pronto funcionamento. Gente, nada disso estava combinado. A mulher me fez isso de bom-grado.

Não sei vocês, mas ali comecei a desconfiar. Minha patota e eu tentamos achar uma saída irreverente, teorizando que talvez esta seja a fofoqueira de plantão, mas o que se percebeu é que esta heroína dona de um time de basquete de filhos é uma pessoa diferente do resto da cidade.

E a cidade continuava a provar por "a+b" que isto era uma verdade. Não era feriado nacional. Não era época de pagamento de pecados. Não. Era só a Dona Idel fazendo o que ela faz.

Perguntei ao corretor se ela era algum tipo de empregado do prédio, que não passa dos 5 andares. A resposta foi " ela só é zeladora". Achei curioso, porque meu prédio não possui guarita ou portão automático. Ela é condômina e zeladora. Estranho. Mas um estranho bom.

O capítulo final é que deixa qualquer um ( com um mínimo de coração) embasbacado. Cheguei ontem em casa cansado, ainda descrente da imensidão de coisinhas para resolver. Sem chuveiro. Sem ferro/ tábua de passar roupa. Sem bujão de gás.

Entrei ainda pensando na vida, quando vejo uma outra encomenda recebida por Dona Idel. Não acreditei. A mulher era muito gente boa! Mas não. Eu tinha que ficar quieto. Vou até a cozinha e percebo que algo estava diferente. Demorei a perceber, mas então saquei. A mulher empacotou meu lixo. A troco de quê?

Já mais do que convencido de que tinha um anjo cuidando de mim, discreto e quase que maternal, fiquei abismado ao ver que tinha um chuveiro ( e um cano, que não tinha) instalado no meu box. Isto não é Twightlight Zone gente. É vida real. Aquela senhora mandou alguém instalar um chuveiro. Que chuveiro? Eu não tinha COMPRADO sequer um.

Este tipo de coisa não tem preço. Não existe em 98% dos lugares em São Paulo. E vai de encontro a tudo que eu já concluí nesta cidade. Lamento dizer, mas muitos de meus amigos paulistanos que podem por ventura ler este post...não fariam nem 1/40 do que esta mulher fez.

Eu não sei ainda o que é. Mas acho que talvez isto seja uma burrice moral minha. Uma cegueira branca, como a de Saramago. Porque, até mesmo pessimisticamente, esta história não tem outro motivo senão BONDADE.

Bondade.

Por isso hoje eu me dei ao direito de descrever um caso da vida real, sem grandes reflexões. Porque a reflexão não deve recair sobre a história que este personagem da vida de verdade proporcionou, mas sim sobre as histórias parecidas que eu e todo mundo deveríamos protagonizar.

Think about it.

Um comentário:

Sun disse...

nossa... eu keria uma vizinha assim! O_O

beijos Piá sumido!!